Um movimento na orla do Lago Paranoá anuncia novos tempos para a capital federal. Em meio à pandemia da Covid-19, que obriga os equipamentos da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) a permanecerem fechados à visitação pública, um dos marcos históricos da cidade construída por Juscelino Kubitschek acorda de um sono profundo de 14 anos.
O Museu de Arte de Brasília (MAB), prédio de linhas modernistas será reinaugurado no aniversário de 61 anos da cidade, na quarta-feira, 21 de abril, podendo voltar a expor, em período de segurança sanitária, acervo de incalculável valor artístico e histórico.
“É uma felicidade ter esse museu tão caro à arte e a história das artes visuais de Brasília e do Brasil entregue e com melhorias em sua edificação, sobretudo, porque enfrentamos, neste último ano, a adversidade da pandemia da Covid-19. A sua reabertura é um presente para todos, brasilienses, brasileiros e cidadãos do mundo”, afirma o secretário de Cultura e Economia Criativa do DF, Bartolomeu Rodrigues.
REFORMA QUALIFICA O PRÉDIO
Com reforma estimada em R$ 9 milhões, o edifício do MAB foi expandido em mais de 500 m²: A requalificação total do interior do prédio, com mudança de layout, permitiu a ampliação da galeria do 1º pavimento para mais de 1.022 m² de área útil, quando antes não chegava a 1.000 m².
Destacam-se ainda a qualidade do sistema de ar-condicionado, adequado para instituições museológicas, e do sistema de prevenção a incêndio.
Há dois elevadores após a reforma, sendo que um é grande o suficiente para transportar as obras de arte. E a iluminação na galeria foi adequada para preservação das obras de arte, evitando ingresso de luz solar e raios UVA e UVB, por meio da instalação de paredes em drywall em frente às janelas.
O arquiteto e urbanista Thiago Morais de Andrade, da Novacap, formado pela Universidade Paulista, destacados melhoramentos do edifício que, simbolicamente é entregue no dia dos 61 anos de fundação de Brasília.
“Antigamente, o MAB possuía uma pintura azul que, às vezes, confundia-se com o céu. Estava praticamente toda desgastada quando o projeto chegou para nós. A ideia foi dar uma roupagem de arquitetura moderna utilizada em Brasília, fazendo uma homenagem à antiga cor do MAB como um ritual de passagem do antigo para o novo, usando para isso um degradê de azul numa das fachadas”.
O arquiteto conta que o subsolo foi idealizado para reserva técnica (armazenamento das obras),Abrigará ainda um moderno laboratório de restauro e dará espaço à administração, além de abarcar geradores e marcenaria. O térreo abriga um pequeno espaço expositivo e um café. No primeiro pavimento, funcionará a área expositiva principal e sala multiuso.
O MAB passou por adaptação para acessibilidade em todos os pavimentos com rampas, escada, estacionamento, comunicação visual, elevadores, banheiros e vestiários. Esse recurso de recuperação da estrutura manteve, no entanto,as características originais. O subsolo foi elevado por sistema de taludes para garantir que as paredes do acervo técnico não tivessem contato direto com a terra, evitando a umidade.
“A adaptação foi bem complexa em virtude dos pés direitos muito baixos no subsolo e no térreo. Por isso, optou-se por instalações aparentes, no estilo industrial, e a não colocação de forros. Isso possibilitou não se perder tanto em altura”, relata.
Outra intervenção que dialoga com aspectos típicos da construção da capital foi a inserção de cobogós em parede do subsolo para garantir iluminação, ventilação e privacidade à parte das instalações. Uma rampa sinuosa fará o acesso da área externa do subsolo até o nível térreo externo.
O MAB vai usar uma usina de geração de energia fotovoltaica em sua cobertura para zerar o alto custo de energia elétrica com climatização do interior do prédio. Foi construído acesso adequado para os caminhões carregarem e descarregarem as obras em uma doca coberta e existem ainda espaços para triagem e quarentena de peças aguardando restauro. O paisagismo externo será feito de forma escalonada, com plantio de espécies do cerrado.
JARDIM DE ESCULTURAS
O Museu de Arte de Brasília (MAB) será reinaugurado com uma grande coleção de esculturas na área externa, majoritariamente de artistas brasilienses, como Miguel Simão, Mara Nunes, Darlan Rosa, Sanagê Cardoso e Omar Franco.
“A proposta de criação dessa exibição permanente na área externa remonta à fundação do MAB, mas nunca foi levada a cabo em razão de diversos empecilhos. Agora, finalmente é executada, e deverá ser enriquecida no decorrer dos anos. As obras estão atualmente no pátio e nos pilotis do Museu, enquanto são avaliadas para levantar necessidades de restauração, e para decisão sobre distribuição delas no entorno do edifício”, adianta o gerente do MAB, Marcelo Gonczarowska.
Marcelo conta que, devido a pandemia da Covid-19, a abertura ao público acontecerá em momento adequado de segurança, com exposição que vai recortar um montante de 1,4 mil obras. Há nesse acervo uma coleção de 10 gravuras de Tarsila do Amaral, além de outros modernistas como Alfredo Volpi.
Um dos destaques é um conjunto volumoso de obras de Rubem Valentim, além do ateliê deixado pelo artista de forma intacta após a sua morte em 1991, que estará em exposição permanente. Uma das obras de Valentim é Composição nº 10, óleo sobre tela com o qual o artista ganhou o prêmio de viagem ao exterior no Salão Nacional de Arte Moderna de 1962, passando três anos em Roma.
“Esse acervo é precioso do ponto de vista da arte moderna e contemporânea no país, com uma singularidade: traz a genealogia da arte criada em Brasília nestes 61 anos”, avalia o curador e gerente do MAB, Marcelo Gonczarowska.
A estrela é, certamente, a escultura ‘Homenagem à Democracia’, de Franz Weissmann, projetada em 1958 mas executada apenas em 1989, depois do fim do regime ditatorial no país. A obra está estimada em R$ 1,5 milhão”.
PASSADO DE MUITAS DESTINAÇÕES
Cercado de grandes expectativas por amantes das artes plásticas, o MAB retoma seu lugar de “irmão xifópago” do Museu Nacional da República (MUN), na expressão usada pelo ex-curador Wagner Barja para dizer que as coleções dos dois espaços da Secretaria de Cultura e Economia Criativa se complementam e, juntas, formam, com cerca de 2800 peças, um corpo indivisível na narrativa da história da arte contemporânea no Distrito Federal e no país.
“Até aí nada demais. Museus célebres, como o Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, na Espanha, foi antes um hospital”, exemplifica Barja, que colaborou com equipe de arquitetos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na recuperação do prédio depois que foi fechado pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal (MPFDF), em 2007, por não ter condições de dar segurança ao acervo.
“Mais de uma vez carreguei obras de arte na cabeça com água pelos joelhos quando chovia”, conta ele, artista visual e pesquisador com Notório Saber em Artes Visuais, Teoria da Arte, História da Arte e Arte-educação. O investimento na revitalização e modernização do espaço cultural foi de R$ 9 milhões, com recursos do Banco do Brasil.
Quem também conta a história das muitas faces que o prédio exibiu é a arquiteta e designer Maíra Oliveira Guimarães, formada pela Universidade de Brasília (UnB), em livro com recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC).
“MAB, O Museu de Arte de Brasília desde o anexo do Brasília Palace Hotel” (2020) relata as idas e vindas na destinação do prédio que foi concebido originalmente para ser o restaurante do anexo do Brasília Palace Hotel. Este, junto com a do Palácio da Alvorada, foram as duas primeiras obras levantadas a partir da prancheta de Oscar Niemeyer na capital. “Dá para pensar os usos do prédio como reflexos dos movimentos que marcaram a vida da capital”, diz Maíra.
“Uma primeira reviravolta foi a mudança de restaurante, que tinha a função de oferecer refeições aos hóspedes do Anexo, para Clube das Forças Armadas, com o golpe de 1964. O lugar ainda seria o Casarão do Samba, antes de dar lugar ao MAB em 1985, refletindo a abertura política”.
A pesquisadora tem um projeto cujos resultados finais estão programados para 2022. Ela vasculhou os arquivos da Secec, do Arquivo Público do DF, do MUN, do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e coletou depoimentos orais da comunidade de pioneiros da capital para suprir as lacunas na trajetória do MAB. Os dados parciais estão disponíveis para o público consultar.Fotos:Joel Rodrigues/Agência Brasília
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